
Laços naturalmente biológicos são vistos como fator de proteção para os possíveis atritos relacionais.
A consanguinidade confere o direito de dar trabalho, de ser injusto e de rejeitar temporariamente o outro. Isso não é evidente nos laços adotivos. Qualquer atrito pode ser lido como a consequência de ter colocado um DNA estranho dentro da família ou sinal de uma bagagem problemática originaria. Qualquer medida disciplinar é entendida como a aplicação de uma lei injusta por pais não verdadeiros.
Ou seja, se os laços biológicos trazem em seu bojo o ideal do amor incondicional, os laços adotivos não possuem implicitamente esse ideal. O que dá margem às fantasias de que “se fosse meu filho biológico” não agiria assim, ou “se fossem os pais que me geraram” não tratariam dessa forma.
Nessa perspectiva, a família natural é a família idealizada e a adotiva é uma espécie de arranjo e, por isso mesmo, frágil. Daí a presença imaginária constante, como uma falta, do filho que não nasceu e dos pais perdidos pelo abandono.
No filme de animação “Cor da pele: mel” do coreano Jung, Laurent Boileau, ele mesmo um órfão abandonado nas ruas e adotado por uma família belga, o processo gradual, e às vezes penoso, de adoção é magnificamente abordado. O filme trata da elaboração dos sentimentos conflitantes em relação a viver em uma família de uma cultura estranha e da questão identitária. Quando ele, finalmente, acolhe a mãe adotiva, como a única mãe possível, é acolhido nesse abraço de que só o amor incondicional é capaz.
Ora, mesmo um filho biológico precisa ser “adotado”. Mesmo os pais biológicos precisam ser “aceitos”. O fato de compartilhar um DNA não significa um encaixe automático na personalidade do outro. Sempre há espaço para o estranhamento e para fantasias de um romance familiar.
Podemos levar anos de convivência (e de psicoterapia) para aprender a lidar com esse estranhamento e acolher os pais e os filhos como eles são. Biológicas ou adotivas, mais cedo ou mais tarde, esse é o desafio de todos.
Texto: C. SUTTER
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