Na Palestina, em 1948, uma adolescente presencia, das frestas de seu esconderijo, o fuzilamento, por tropas israelenses, de uma família de adultos e crianças, e a morte lenta de um bebê que acabara de nascer. Os autores desse ato de crueldade gratuita foram, por sua vez, submetidos a perversidades inomináveis nos campos nazistas. O governo de Israel protestou contra o filme, alegando ser uma fantasia. Não era. Fahra existiu e sobreviveu para contar o que viu. Os descendentes alemães também sustentaram que as acusações da máquina genocida nazista eram falsas. Não eram. Foram registradas, pelos aliados, em imagens de horror.
Em ambos os casos a mesma cena: a total falta de compaixão, e a incapacidade de assumir a própria insanidade. Por quê? O espelho da alma humana parece ser difícil de mirar. Pois qualquer um pode ser um dia a vítima e, noutro, ser o perpetrador. Depende do poder que se tem sobre vida e morte. Nem precisa ir tão longe para assistir isso diariamente, no Brasil, quando pretos pobres são exterminados pela polícia. Sob a fachada do homo sapiens sapiens há um homo demens, como lembra Edgar Morin. Eis a complexidade humana. Pois esse homo demens precisa ser visto no reflexo do espelho. Sem a coragem de fazê-lo, o mal estará sempre do lado de lá. E a história se repetirá indefinidamente. O homo sapiens sapiens parece ter contribuído para o extermínio das outras espécies sapiens. Não sobrou nenhuma. E assim, povoamos o planeta, disputando a terra em guerras intermináveis. E genocídios. Predadores terríveis que, inexoravelmente, trazemos no DNA.
É para isso que existem os filmes: obrigar-nos a assumir tanto o lugar da vítima quanto o do perpetrador. E olhar no espelho. Foi preciso que o filme “A Lista de Schindler”, passasse nos cinemas da Alemanha para “cair a ficha” das jovens gerações que cresceram na negação do Holocausto. O impacto do filme foi imenso. Como foi com o filme “Valsa com Bashir” do israelense Ari Folman, sobre o massacre de Sabra e Satila, no Líbano. São esses filmes-memória que recuperam das brumas do passado e do esquecimento o que precisamos enfrentar. Fahra, da jordaniana Darin Sallan, tem esse importante papel.
Texto: C. Sutter
Comments